O príncipe e a borboleta




O marcador de páginas eu ganhei de uma pessoa muito querida, que sabe que ando às voltas com os livros, e que adoro borboletas, não sabia que eu estava mesmo precisando de um. O livro, eu comprei para dar de presente para uma pessoa não menos querida, com as segundas intenções de pedir emprestado depois, só que minha curiosidade não me permitiu esperar, e tracei o plano de lê-lo antes de entregar, como comprei com bastante antecedência, fato que coloquei na minha lista de raridades, tive tempo suficiente para dar conta do livro, mas logo no início da leitura eu sabia que ele precisava ser meu, e foi assim que aconteceu (antes que você me condene ao fogo do inferno, já explico que comprei um igualzinho e dei para minha irmã, a destinatária do presente).
Esses dois objetos, além de sua familiaridade evidente, guardam na sua história comigo alguns pontos de convergência que os tornaram uma espécie de dupla inseparável, tipo unha e carne, porca e parafuso, livro e marcador de páginas... ambos  foram se transformando na  minha frente em verdadeiros portais, espelhos onde pude me enxergar e compreender o momento que atravessava. Comprei o livro e ganhei o marcador praticamente na mesma semana, bem na época em que estava pensando seriamente em fazer esse blog, cheia de medos e questionamentos, e essa singela dupla, tão potente no seu significado, me ajudou a construir uma narrativa acerca das questões e emoções que me tomavam, a contar para mim mesma a história desse blog, para que eu pudesse tomar distância e enxergar melhor o que se passava. Eu me encontrava naquele ponto em que a gente se pergunta se tem condições para fazer determinada coisa, como se precisássemos de alguma condição especial para fazer algo que queremos muito fazer!
O que eu não contei sobre a borboleta que adorna o marcador de páginas, e que pode ser verificado na foto, é que ela não tem uma antena, por defeito de fábrica, ou por ter-se quebrado no caminho até mim, não sei, o fato é que a sua antena faltante remeteu-me imediatamente à minha própria falta, só que de uma forma reconciliadora, pois, apesar desse pequeno “defeito”, não tem nada nela que não a identifique como uma borboleta, ela sabe disso, por isso, sorri satisfeita, sabe que não precisa das duas antenas para ser uma borboleta. Ler “Na minha pele” de Lázaro Ramos, por outro lado, foi uma experiência definitiva na minha decisão em fazer o blog, além de possibilitar um mergulho no sombrio mundo do racismo sob uma perspectiva que só quem o “sente na pele” pode oferecer, a história de Lázaro é linda, e contada com muita propriedade e verdade, mas o que me conquistou pra valer na sua narrativa, foi a disponibilidade em expor seus “buracos” sem medo, quero dizer, com medo, mas sem medo de dizer que tem medo. Lázaro conta a sua história sem omitir suas dores e temores, entre os quais, as dúvidas em relação à relevância em escrever o livro, que por bastante tempo o paralisaram e impediram de escrever, concluindo, passado esse tempo, algo muito próximo ao que experimentei na minha própria reflexão sobre fazer o blog: “A saída, foi permitir que o fluxo contínuo e impreciso de meus pensamentos me conduzisse nesse papo sobre o corpo e a pele que habito”, no meu caso, também o fluxo das ideias não deixou de transcorrer, apesar das minhas inseguranças, mas ele tem essa característica apontada por Lázaro de ser impreciso, e temos a tendência a acreditar que as coisas imprecisas são ruins ou são assim porque não funcionam bem, quando na verdade, apenas tem sua maneira própria de funcionar. Lendo a história de Lázaro, me dei conta de que talvez a resposta estivesse justamente no fluxo, naquilo que de impreciso ele tem, no que não aparece para nós como uma resposta fechada em si mesma, mas como uma aposta, aberta de possibilidades. Ao contar sua história, Lázaro me mostrou que é isso o que somos e o que temos para oferecer: a nossa história, a pele que habitamos, com o que elas têm de bonito e de feio, de feliz e de doloroso.
Como Lázaro e a borboleta sorridente de uma antena só, nunca estamos prontos, acabados, e o ponto de partida para iniciarmos nossos projetos é justamente esse: a partida. Visto isso, dali mesmo, do ponto onde eu me encontrava, peguei o que eu tinha, e o que eu não tinha, e me pus a caminhar.

Texto: Brisa Maria Fraga
Foto: Brisa Maria Fraga

terça-feira, 3 de julho de 2018

4 comentários:

  1. Muito bom ter alguém que descreve tao bem nossos sentimentos! Adorei!

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    1. Obrigada! Fico feliz em poder traduzir as emoções das pessoas!!! 😘

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  2. E que caminhada linda está fazendo mana!!! Realmente o livro é ótimo e que sorte que tive de ele chegar até mim, hahaha 😍😍😘😘

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