Sobre saudade




Esse texto poderia estar em uma categoria chamada “coisas que precisamos viver para entender”, mas não existe essa categoria no meu blog, então ele vai ficar aqui mesmo rsrs. Meu filho mais velho saiu de casa pela primeira vez há pouco mais de um mês*, o que quer dizer que é a primeira vez que vivemos essa experiência. Na minha ideia preconcebida desse momento marcante na vida familiar, quando os filhos saem de casa, eles vão morar em outra casa na mesma cidade, em outro estado algumas vezes, raramente em outro país, e eu não me via na opção rara. Na verdade ele não saiu exatamente de casa, foi fazer um intercâmbio na Austrália, com o pacote fechado para 6 meses, mas com a possibilidade de ficar lá por mais tempo. Acontece que hoje tem muito brasileiro indo para o país, conversei com alguns amigos e familiares de brasileiros que foram, e em todos os casos, eles ficaram mais tempo que o previsto, alguns nem voltaram. Mas tudo isso é só uma introdução para poder falar desse sentimento pelo qual fui invadida desde que ele desapareceu portão de embarque adentro.
 Faz tempo que cheguei à conclusão de que o nosso vocabulário é demasiado pobre, porque muitas vezes nos sentimos de maneiras que não sabemos explicar, e eu acho que é porque faltam, literalmente, as palavras. Por outro lado, fico pensando como seria se tivéssemos a palavra certa, exata para cada emoção, não precisaríamos de muitas palavras para nos fazer entender nas nossas interlocuções, lançaríamos mão dessas palavras-chave e seríamos entendidos no ato, não precisaríamos fazer o que estou fazendo agora, porque não haveria equívoco. Robótico, não?!  Pensando bem, ainda bem que faltam as palavras... daí a gente é obrigado a fazer uma trama com aquelas que a gente tem pra conseguir dizer o que está sentindo, e daí a vida vai ficando mais rica e bonita, como diria Manoel de Barros, “Inventar aumenta o mundo”, ainda bem que faltam as palavras...
A trama que construirei hoje vai girar em torno da palavra saudade, que é essa emoção familiar, e que parece ainda mais familiar para quem fala a língua portuguesa, porque temos a impressão de que encontramos a palavra exata para expressar esse sentimento, mas sabe, não, não encontramos, as saudades diferem de acordo com os contextos. A saudade de um filho que parte pela primeira vez é diferente de qualquer outra. É como se toda a saudade de uma vida se aglutinasse numa só, você sente tudo de uma só vez, num só adeus, num único até logo, em uma despedida apenas: “Vai com Deus, se cuida, não esquece o casaquinho, vou morrer de saudade...”, e você morre mesmo, ou melhor, não é você que morre, o seu lugar de mãe é que passa por uma revisão, profunda e forçada goela abaixo: imagine-se sendo colocada à força em uma sala de cinema cujo único filme em cartaz tem como título o nome do seu filho, e você não tem outra alternativa a não ser assistir ao filme do início ao fim, daí você senta, assiste ao filme, se debulha em lágrimas, não come a pipoca porque não consegue, enquanto as cenas vão passando, vívidas, uma a uma, desde o momento da concepção, até aquele adeus no portão de embarque...
Pode ser brega o que vou dizer, mas tenho comparado esse momento a um segundo parto, porque é um verdadeiro renascimento, só que dessa vez, ele não sai do seu ventre, sai da sua casa. É quando seu filho vai pôr à prova o que você lhe ensinou, vai lançar mão dos instrumentos que você lhe deu e descobrir se são usáveis, descartar alguns, pedir outros emprestados, e não tem jeito, ele precisa fazer isso sozinho, essa experiência é só dele!
Apesar do dramalhão materno apresentado acima, é uma felicidade imensa saber que meu filho tem plenas condições de se desgarrar, de voar com as asas que lhe dei, saber que sou capaz de permitir seu voo. Significa que nossa relação está bem, que o laço que foi construído é forte o suficiente para que ele tenha segurança para partir, e que não foi apertado demais a ponto de lhe prender. Então, essa é uma saudade com sabor de orgulho, é uma saudade que se alegra, que vibra e torce por ele, uma saudade com um retorno incalculável!
Mas com todas as suas peculiaridades, continua sendo saudade, e eu tenho aprendido muito nesses dias, sobre esse sentimento e suas nuances. Irônico, mas não existe nada que nos remeta mais à presença de uma pessoa do que a sua ausência, a falta de alguém é a prova cabal de sua existência, e de sua exata importância na nossa vida, a falta é um lugar cheio de presença. E sentimos falta de tudo, tudo mesmo, até das coisas que não gostamos, no pacote da saudade não existe discernimento porque ele está repleto de lembranças, e nesse momento, o que menos importa é, digamos assim, a qualidade da lembrança, o que importa é o que ela evoca, o que traz pra perto, mesmo estando longe, é o pedaço de amor que carrega consigo.

*Este texto foi escrito há mais ou menos 4 meses, como a minha intuição antecipou, meu filho vai ficar na Austrália mais tempo que o previsto. Hoje a saudade é outra, se apresentando de formas e intensidades diferentes a cada momento, de maneira que, continuo aprendendo sobre esse sentimento.

Texto: Brisa Maria Fraga
Foto: Enilda Teixeira
sexta-feira, 22 de junho de 2018

10 comentários:

  1. Emocionada aqui!!!Pela tua saudade e tbm pelas minhas, ótimo texto, ótima reflexão...Estou amando, e ainda vou poder matar minhas saudades por aqui!!

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  2. Que lindo! Me identifiquei como mãe. Desejo-te sucesso! Ah vou compartilhar! 😍

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    1. Fico muito feliz que o meu texto tenha te tocado! Compartilhe à vontade!! Obrigada pelos votos de sucesso! 😘

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  3. Palmas, Brisa!!! Belo texto reflexivo... Como não sentir saudade dos nossos tão amados afetos... Sucesso, querida!!!

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  4. Que lindo texto Brisa! É um momento que toda mãe irá passar, de uma forma ou de outra, e que tu, apesar da saudade, está vivendo com sabedoria! Felicidades!!

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  5. Que bom ter alguém como tu pra falar tão bem de sentimentos que fazem parte de nossas vidas e as vezes não conseguimos expressar! Lindo! Parabéns!!!

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