O vazio que me dá



No momento em que vi a foto que ilustra este texto no instagram da Mari, fui logo “avisá-la”: quero ela para o blog! O que eu queria mesmo dizer é: quero ela pra mim!! Mas o politicamente correto me interrompeu no meio da formulação da frase, e ela saiu assim, menos verdadeira, menos invasiva. Como o politicamente correto não entende nada de desejo, o enunciado reformulado não modificou o meu, e sem que eu pudesse evitar, peguei-a para mim, absorvi todas as suas matizes em pixels, e ela se instalou na minha “tela” interna de imagens, e ficou ali, sem sair.
De tanto ela ficar, pensei: porque não escrever sobre o que ela me remete? Mas eu nem sei ao que ela me remete! Não tenho nenhuma palavra para descrever seus efeitos sobre mim, ao invés disso, um silencioso hiato, e o sem explicação que a imagem me provoca, tenho, de “concreto”, somente a sensação que experimento ao contemplá-la, e essa sensação é puro vazio, porque repleta dela mesma. Ás vezes, tudo o que conseguimos dizer sobre como nos sentimos, é o quanto não conseguimos dizer nada, e, por trás dessa constatação, pode conter um tesouro narrativo.
Como falar sobre o imponderável a partir de uma linguagem ponderável? Ao me fazer essa pergunta, uma pista me surge em forma de imagem: um negativo de fotografia, sinalizando que existe vida lá onde não supomos. Será por isso que minhas melhores ideias nascem naquele limbo entre a vigília e o sono? Bem, dica relevante, seguimos – olhando para a fotografia, penso em tudo o que é invisível, e que mesmo assim ela consegue capturar em preto, branco e colorido, o invisível capturado e desdobrado em imagem, mas nem por isso, decifrado por ela, eis a magia da fotografia!
O belíssimo documentário “Janela da Alma”, abordando as diversas perspectivas e enquadramentos do olhar e do enxergar a partir de relatos de personalidades com problemas de visão, traz o surpreendente caso do fotógrafo Evgen Bavcar, que, cego desde os 12 anos, começou a fotografar depois que perdeu a visão, evidenciando o aspecto intangível da fotografia.
O que foi capturado ali, naquela imagem, não foi o pôr do sol, não foi a tarde ensolarada, nem a cerca de metal que dá para a rua, ou o pedaço de rua se confundindo com a calçada, mas a emoção que a imagem despertou na fotógrafa, e na foto, o que de invisível ela viu, nos conduzindo imediatamente a um registro que transborda a imagem, e reverbera em nós como enigma. Num certo sentido, a fotografia é seu próprio negativo, porque mostra o que ela mesma não é capaz de apreender, apenas transmitir, o que está nela, não é nela que está, mas em nós, o que em nós ela captura.
Eu poderia ficar aqui tentando decifrar o que sinto ao ver a bela imagem que me arrebatou, e talvez um dia eu faça isso, mas daí será outro texto e outro momento, hoje eu queria mesmo era fazer esses contornos com as palavras, sem preencher.  Queria um texto que se parecesse com ela, cheio de lacunas emanando sentido!


Texto: Brisa Maria Fraga
Foto: Mariana Matos
sexta-feira, 13 de julho de 2018

2 comentários:

  1. Nossa,lindo, transmissor me fez refletir muito sobre meu momento nesse exato momento

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    1. Obrigada! Muito bom saber que você se identificou com meu texto! 😘

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