(Des)ordem



Sou uma pessoa desorganizada, e lá bem no fundo, não consigo me convencer de que isso seja um problema, embora todas as outras pessoas discordem de mim, e tentem me convencer de que sim, é O PROBLEMA, o problema da minha vida! Inclusive, algumas dessas pessoas sofrem por mim, e têm muita esperança de que um dia eu vá conseguir vencer esse GRANDE obstáculo à minha existência, e ser feliz para sempre!

FIM

Mas, aqui de dentro, acho que está tudo certo, bacana, tão... eu! A desordem é meu mundo, é meu aconchego, meu lar, doce lar, e, além disso, salvem-me os clichês, não me pede nada, não reclama de nada....
Já tentei me adaptar, na verdade, eu tento todos os dias, aliás, meus dias, com alguns intervalos que me dou, ou que a vida me dá, são uma eterna tentativa de me adaptar a esse mundo pragmático que é o nosso, tão diferente de mim! Mas como ele é bem maior do que eu, não me resta outra alternativa ...
Não é muito fácil viver na contramão, e acho que, de certa forma, todos nós nos sentimos um pouco à margem, alguns tentam desesperadamente corresponder àquilo que acreditam que os outros querem deles, e conseguem, resta saber se vale a pena o esforço, outros, tentam desesperadamente provar ao mundo que não estão nem aí pro que os outros querem deles, e conseguem, resta saber se vale a pena o esforço. Não sei onde me encontro, talvez eu seja um pouco de tudo isso, tentando desesperadamente não ser nada disso...
Mas, a (des)ordem a que me refiro tem um sentido um pouco diferente desse que você está imaginando, sim, sou desorganizada no sentido prático da vida, que para mim poderia não existir, de tão estrangeiro que ele me é, no entanto, essa desorganização aparente é apenas a forma como eu me comporto, e aproveitando o ensejo para o trocadilho, ela comporta um enredo bem mais complexo.
 Num certo sentido, para nós humanos, a adaptação na sua exata acepção é impraticável, o que acontece é que a gente fica tentando ser de um jeito, sem jamais ser de fato, e daí fica buscando justificativas para explicar para o mundo, e para nós, o que não deveria ter que ser explicado. No meu caso, as tentativas fracassadas de me adaptar implicam, entre outras coisas, em ter que justificar porque eu prefiro contemplar as estrelas a contar números, porque para mim é extremamente difícil me concentrar em detalhes que me são insignificantes, já que o que me interessa é justamente a complexidade da alma humana e da vida, portanto, esses pormenores cotidianos que movem o mundo não me movem, não me seduzem, não me fazem querer conhecê-los, sequer eu os enxergo na frente do meu nariz, talvez por isso viva esbarrando, literalmente, neles.
Essa é apenas uma pergunta que eu me faço, um pensamento em voz alta, e talvez a minha dificuldade em lidar com a castração, mas por que não podemos viver em nossos devidos lugares? Por que temos todos que seguir um padrão, mesmo que isso custe quase a vida para alguns?
Durante muito tempo acreditei estar errada, e que  essa era  a única análise cabível: ou eu estava certa e todos os outros errados, ou eu estava errada e todos os outros certos. Não preciso dizer que a maioria esmagadora me esmagou, que é o que acontece com quem sai fora de um padrão, até que eu entendi que não se trata de estar certo ou errado, afinal, somos seres complexos, embora geralmente se tome qualquer questão a partir desses dois únicos polos, e nesse caso, quem não está dentro está necessariamente fora. Pensando por esse ângulo, é muito fácil marginalizar alguém, e pensando por esse ângulo, existem muito mais pessoas à margem que dentro dela.... pausa para reflexão.....
Acho que por isso nunca gostei da nota 10, inequívoca, e sempre fiz questão de me utilizar de todas as faltas a que tinha direito na escola, e na graduação e pós graduação também, de não manter os cadernos totalmente em dia, de não ser uma aluna “exemplar”, tenho inclusive certo asco a qualquer palavrinha feita para nos prender a determinados protótipos de perfeição. Sim, fiz isso por rebeldia, confesso! Nem toda rebeldia é com causa, algumas são extremamente narcísicas e inúteis para o resto da humanidade, então eu não me gabo disso, mas sei o quanto infringir essas regras mínimas me garantiu a sanidade por muito tempo. Como um ser inquieto que sou, apesar do meu temperamento tranquilo e cordato, fui conhecer o avesso das normas que queriam me asfixiar, ver o que havia de tão ameaçador ali que precisava ser reprimido com tamanha rigidez. Nesse movimento adverso, mais do que ir contra a maré, estava indo a favor de mim mesma, alguém tinha que fazer isso, e como eu me orgulho de poder dizer que fui eu que tomei a dianteira da minha tese de defesa.
E nessas minhas buscas, a (des)ordem foi a forma que encontrei de não sucumbir à ordem imposta, talvez por isso ela caiba tão bem em mim, aliás, tenho pra mim que o prefixo (des) cumpre um papel importantíssimo na nossa vida (vide Manoel de Barros), porque ele quebra um pouco com essa febre persistente de ter que, e se isso não fosse me alçar ao mesmo patamar imperativo do ter que, eu diria a você que destenha. Minha desordem bagunça a vida alheia, eu sei, por outro lado, ironicamente é uma das poucas coisas que me organizam, me balizam, portanto, abrir mão dela, ao contrário do que muitos pensam, seria abrir mão de mim mesma.
 No fundo, vivo muito bem com a minha desadaptação diária, e agradeço por não caber nos padrões de forma tão escancarada, porque de fato, ninguém cabe, e de certa forma, os caminhos que encontrei para lidar com essas questões me levaram a uma compreensão que de outro modo eu não teria alcançado. A margem pode ser um lugar privilegiado, porque te proporciona maior mobilidade e flexibilidade, de lá é possível enxergar algo que quem está cercado por ela não consegue: não há oposição, a margem  é apenas um outro ponto, a partir do qual, também se enxerga a vida.


Texto: Brisa Maria Fraga
Foto: Enilda Teixeira
sexta-feira, 20 de julho de 2018

6 comentários:

  1. Tão perfeito!!! Parabéns Brisa,teus textos são realmente cheios de muita verdade.❤️

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  2. Lindo texto! Parabéns! Me identifiquei com muitas coisas neste texto! Mas com o passar do tempo a gente vê o que realmente importa pra nós! Se a gente está bem com certeza isso vai passar pra quem chega ate nos! ❤❤😘

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    1. Verdade! Bom saber que se identificou com minhas palavras! Beijo! 😊😘

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  3. 😍😍😍😍🤗🤗🤗😘😘

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