Minha tia me ensinou muitas
coisas, tantas que não sou capaz de enumerar, nem mesmo de lembrar todas assim,
de uma só vez, aliás, uma das coisas que ela mais gosta de fazer é ensinar,
transmitir seus conhecimentos, e ela tem muitos, a maioria deles aprendeu com a
vida, com o dia-a-dia nada banal, embora simples que faz questão de levar, e é
justamente no que diz respeito às coisas simples da vida que reside sua maior
sabedoria, especialmente na sua relação com a natureza, que ela trata com muito
respeito e gratidão. Amante das plantas e dos alimentos orgânicos, cultiva sua
própria horta com uma alegria adolescente, usufruindo de seus frutos sem
moderação. Alquimista da cozinha, está sempre criando novos pratos, buscando
unir o saudável ao saboroso, o que envolve uma combinação de alimento,
qualidade de vida e afeto. Mas sua relação com a natureza não se resume a uma
alimentação saudável, como verdadeira sacerdotisa que é, conhece bem os ciclos
e a maneira como a natureza se comporta de acordo com as estações e mudanças
climáticas, e, para além disso, retira de suas observações, valiosos
aprendizados que traz para a vida.
Em uma recente visita à sua
casa, falávamos sobre algo que me remeteu a uma possibilidade enunciada em tom
reflexivo: - Isso dá um texto! Ela imediatamente devolveu: - Vem aqui que eu
vou te mostrar uma coisa que dá um texto, levantando da poltrona enquanto
falava. Tentando inutilmente guardar na memória o assunto que me levou ao tal
enunciado, mas muito curiosa para saber o que levaria minha tia a interromper
de forma abrupta momento de “tamanha inspiração”, lá fui eu em busca do meu
novo texto, quero dizer, de novas descobertas! Acompanhei ela até os fundos de
sua casa, onde apontou para os quatro vasos de plantas dispostos lado a lado,
explicando que todas elas eram frutos da mesma muda, dividida em quatro pequenos
tufos, que foram plantados em vasos diferentes. Qual não foi sua surpresa ao avistar
as novas mudas depois de algum tempo, crescendo com desenhos, tamanhos e cores diferentes,
como se tivessem se originado de mudas distintas. - Como é que pode? – ela
exclamou admirada - Foram cuidadas pela mesma pessoa, receberam atenção na
mesma medida, estão em posição idêntica em relação ao sol, mas ainda assim se
desenvolveram de maneiras diferentes!
As analogias à natureza
humana foram inevitáveis e renderam mais um tantão de assunto, saí de lá
abastecida de muitas coisas, e com uma promessa que se tornou também um desejo:
a de que escreveria sobre a transformação espontânea das mudas. Enquanto
desenvolvia a redação, voltada para as minhas impressões e sensações daquele
dia, fiquei me perguntando que texto ela teria escrito a partir dessa
experiência dividida naquela tarde agradável em sua casa, quais pontos
abordaria, que tom daria às palavras, aos enunciados... quando percebi que minha
pergunta já emanava a resposta: certamente aconteceria algo semelhante ao que
ocorreu às plantas, que vieram da mesma muda, mas se desenvolveram à sua
maneira, utilizando o mesmo material, porém dando um tom particular à sua forma
de se apresentarem ao mundo. Imagino que a biologia deva ter uma explicação
técnica para o que aconteceu com as plantas na casa da minha tia, mas aproveito
minha ignorância no assunto para me valer de licença poética e chamar a isso de
singularidade. Se a vida necessita de explicações, ela é feita de poesia, para
rimar com: para ti, minha tia!
Texto: Brisa Maria Fraga
Foto: Brisa Maria Fraga
sexta-feira, 14 de setembro de 2018
Ameeeei teu texto! Linda homenagem pras coisas simples da dona Mariza, mas de onde tiramos grandes lições pra vida... singularidade (e o respeito a ela) acho que é a palavra que move nossa família e a une...
ResponderExcluirDaniiii, que bom que gostastes 😍, sim, em busca da singularidade, através da simplicidade de cada coisa, cada momento! Bjão
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