Aconteceu de verdade, ano, 2017, mês, outubro, tive
que pernoitar em Porto Alegre, que fica a 95 km de Osório, cidade onde moro,
reservei um quarto em um hostel pelo booking próximo ao local onde eu teria um
compromisso no dia seguinte, como não serviam café da manhã, fui comer em uma
padaria que fica na esquina em diagonal à esquina do hostel. Assim que pus os
pés na padaria, pude perceber que as duas atendentes do estabelecimento conversavam
despreocupadamente e em um tom facilmente audível sobre a vida de uma delas,
como se estivessem a sós, a mais velha, aparentando uns 35 anos (era também a
mais extrovertida e falante, e certamente quem deu o tom da conversa, se
revelando, mais à frente, a protagonista dessa história) aconselhava a mais
nova, de uns vinte e poucos. Apesar de estarem imersas na conversa, de cunho bastante
íntimo, elas atendiam a clientela com atenção e rapidez, como se as duas
atividades tivessem uma relação intrínseca uma com a outra, tamanha a
naturalidade com que agiam.
Minha atitude inicial foi, de certa forma, uma resposta
a essa dubiedade que elas apresentavam, fingindo não ter percebido o que se
passava, e percebendo muito o que se passava: fiquei ali, meio fora, meio
dentro, ao mesmo tempo mergulhada na situação, e a um passo atrás, como um
espectador que chegou atrasado ao espetáculo, e se ajeita em um cantinho, com
todo o cuidado para não atrapalhar o seu andamento. Sou realmente fascinada por
essas “amostras” de humanidade que nos esforçamos diária e demasiadamente em esconder,
e que naquele momento se manifestava à minha frente sem nenhuma censura. Logo
em seguida, a atendente mais velha, “a protagonista”, veio em minha direção e
perguntou o que eu queria, “um café com leite e uma torrada”, pedi.
Cena número 2 - enquanto servia meu café, ela ia discorrendo
sobre sua vida, assim, sem nenhuma introdução, começou a me contar sobre um
roupeiro que havia “mofado” devido a um vazamento causado por uma instalação
mal feita, resultado: “Guria!!! Tive que comprar um roupeiro novo! Comprei um
desses de madeira mesmo, madeira boa, porque esses de compensado não dá, não
dura nada, R$2.000,00 o roupeiro...”, a história do roupeiro se estendeu por
mais umas 200 palavras, que ela ia pronunciando sem intervalo nem respiração entre
uma e outra.
Cena número 3 - Uma saidinha rápida até o outro ponto
do balcão e pronto, novamente estava ela, dessa vez a falar do “venish” que
usou para lavar umas roupas, deixando um vestido azul que ela tinha “novinho, precisa
ver!”, nesse momento eu já me sentia parte do seu círculo íntimo de amigos,
como não queria quebrar o encanto do momento, soltava umas interjeições para
disfarçar meu boquiabertismo: “bahhh, hummmm, uhummm”....
Cena número 4 - e ela não parava, “tem um super aqui
perto que vende uma carne muito boa, e está na promoção guria! ( sem que eu
pedisse, ela me deu o endereço do tal super, com riqueza de detalhes), “comprei
uns bifes lá ontem, bem bonitos, precisa ver! Tava louca pra comer um bife bem
suculento, mas daí eu cheguei em casa e a minha mãe tinha feito um carreteiro,
eu não pude recusar: “filha, fiz um carreteirinho do jeito que tu gosta, beeem
molhadinho!”
Percebi que
ela conversava com essa mesma intimidade com os outros clientes, o que, num
primeiro instante, me fez crer que eram fregueses antigos da padaria, no entanto,
era a primeira vez que ela me via e em poucos minutos de exposição (ela falava
e eu assistia!) eu já sabia até que ela usava “vanish”! Essa observação me
transportou novamente para a sensação de espanto e ambiguidade que a conversa
íntima em meio à padaria me despertou assim que cheguei. A verdade é que jamais
saberei sobre a natureza das relações estabelecidas entre ela e aqueles
clientes, até porque, já não saberia nem precisar minha própria ligação com
ela! Eis o seu mistério, e a sua graça!
Isso tudo, em uma padaria qualquer, no centro da
capital, às 8h da manhã! Meu dia mal começava, e eu já estava repleta de histórias,
de vida, de singularidade!!!
Texto: Brisa Maria Fraga
Foto: Mariana Matos
sexta-feira, 5 de outubro de 2018
Achei fofo!!!!E tbm matei a saudade dos teus textos e da maneira gaúcha de falar, adorei ouvir "torrada" "super" "bah"...entre outras particularidades do nosso jeito gaúcho de ser!!!
ResponderExcluirFico muito feliz que gostastes! Sinceramente, não tinha me dado conta dessas particularidades, é muito legal esse retorno!! E gostaria muito de saber quem é você, já que pelo jeito nos conhecemos! 😘
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