Uma
das primeiras coisas que aprendemos quando chegamos a esse mundo é a contar o
tempo: tempo entre uma mamada e outra; o tempo que leva para nossa mãe voltar
depois que ela desaparece do nosso campo de visão; o momento em que nossas certezas
titubeiam, porque ela está demorando além do esperado... mas ela volta, mais
uma vez, e somos obrigados a alargar o tempo um pouquinho mais para que a vida
caiba na nossa angústia.
Dormimos,
acordamos, nos alimentamos, dormimos novamente, e o nosso corpo vai se
adaptando aos ritmos que vêm do outro, e descobrimos que existe o dia e a
noite. Chega a hora de ir para a escola, e a divisão do tempo sofre nova
alteração: aprendemos que existe antes e depois da escola, aprendemos também
que no meio das aulas tem um intervalo, que tem esse nome porque é quando o
tempo para de correr. Daí vem a adolescência, a primeira paixão, e o tempo fica
suspenso em um balão ou em uma nuvem, ou em um turbilhão...
Nos
tornamos adultos, e o tempo deixa de ser aquele interminável corredor que
percorríamos despretensiosamente quando crianças. A consciência da nossa
finitude nos lança na busca de teorias que possam explicá-lo, mas ele se esvai,
soberano na sua fluidez contínua e inacessível. Então, dispensamos as teorias e
buscamos maneiras diferentes de evocar o tempo: nas memórias da infância, nas
histórias que contamos aos nossos filhos, nos reencontros com a turma da escola
e amigos da adolescência, no saudosismo de um tempo que não volta, e que talvez
por isso mesmo, alçamos ao patamar de ideal.
O completar dos ciclos nos dá notícias da
nossa localização no tempo: casamentos, separações, a vinda dos filhos e todas
as suas fases, suas “primeiras vezes” que compartilhamos como se fossem nossas.
O fio do passado vai esticando, nos forçando a olhar para trás com uma
frequência cada vez maior, e o tempo começa a se confundir com a nossa história
e com o nosso corpo: ele está nas nossas memórias, no enredo que construímos ao
longo de nossas vidas, nas marcas que vai deixando no nosso corpo... o tempo
existe através de nós!
Mas,
apesar de sua indelével passagem, há uma sensação de permanência que não nos
abandona, e essa talvez seja a maior ironia da vida: permanecer enquanto tudo
passa, tudo se modifica, inclusive nós, no entanto, a despeito de todas as
transformações, continuamos a sermos nós, aconteça o que acontecer. Talvez por
isso, não costumamos nos sentir com a idade que temos, se o corpo
invariavelmente envelhece, existe uma espécie de matriz interna que não se
modifica com o passar dos anos.
Como
última lição, aprendemos que essa é uma conta que nunca fecha, porque não
importa em quantos conceitos tentemos aprisionar o tempo, ele sempre nos
escapa, sempre está onde não estamos, e onde estamos ele não está, então, entendemos
que o único aprendizado possível sobre ele, não está na sua contabilização, mas
na aceitação da sua natureza: sempre passar!
Texto: Brisa Maria Fraga
Foto: Enilda Teixeira
sexta-feira, 19 de outubro de 2018
Contar o Tempo. Como é leve transitar por cada palavra e saborear seu conteúdo. Parabéns Brisa.
ResponderExcluirObrigada Jêner!!!😊
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